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"Titanic", a superprodução de 200 milhões de dólares escrita, dirigida e produzida pelo canadense James Cameron bateu alguns recordes. Antes mesmo de sua premiação como o melhor filme do ano, já aparecia como a maior bilheteria de todos os tempos: 1,25 bilhão de dólares em todo o mundo. No Oscar, foram 14 indicações (mesmo número de "A Malvada", de 1950) e onze estatuetas (mesmo número de "Ben-Hur", premiado em 1960), incluindo filme e diretor.    

 Os nove Oscars restantes foram técnicos: direção de arte, fotografia, figurino, montagem, trilha sonora original (para drama), canção, som, efeitos sonoros, efeitos especiais ou visuais. Hollywood então premiou a técnica de "Titanic"? É verdade, mas isso não elimina de maneira alguma os méritos do filme."Titanic" tem todos os elementos do cinemão hollywoodiano. E aqueles, inclusive, vistos em clássicos como "...E o Vento Levou", de 1939 - foram 13 indicações e oito Oscars. A comparação não é apenas minha, mas de toda a imprensa e principalmente a americana. Farei aqui algumas observações que me parecem óbvias. O filme de James Cameron é, em resumo, um dramalhão romântico que mostra a paixão avassaladora e incontrolável que surge entre dois jovens de classes sociais distintas.


   
     Leonard Maltin, um dos mais famosos críticos de cinema nos Estados Unidos, escreve sobre "...E o Vento Levou": "A história de Margareth Mitchell (autora do romance 'Gone With the Wind') é, de fato, um novelão sobre a Guerra Civil (...)" É simples entender o que Maltin quer dizer. "...E o Vento Levou" é daqueles produtos lacrimejantes, mas com uma história tão bem contada que passa longe do incômodo. "Se não o melhor filme já realizado, é certamente um dos grandes exemplos de cinema e capaz de manter o interesse por quase quatro horas", afirma Maltin. É bom lembrar que "Titanic" tem mais de três horas de duração.
     Em ambos os filmes aqui em questão, desenvolve-se uma estrutura narrativa muito semelhante. E não por pura coincidência, mas simplesmente porque o cinema americano tenta seguir uma cartilha que dá certo para atingir seu objetivo - entende-se público ou, melhor ainda, dinheiro. O esquema é assim: num primeiro momento, o par central da história parece não combinar. Existem diferenças tão grandes entre eles que seria impossível imaginá-los juntos. Como estamos falando de cinema, a arte da imaginação, vão surgindo elementos que colocam os dois frente a frente. Mais ainda, situações que tornam os personagens dependentes um do outro. E como o cinema tem por regra subverter a realidade, fazendo qualquer espectador dobrar-se diante da fantasia, tudo o que é mostrado acaba convencendo. O final desse primeiro capítulo é o casal já apaixonado, vivendo momentos inesquecíveis e que se espera eterno.
     Mas como requer um bom drama, uma desgraça aparece para acabar com a felicidade. Em "...E o Vento Levou" era a Guerra Civil. Em "Titanic", um iceberg. No primeiro, americanos do sul e do norte lutam pela sobrevivência. No segundo, homens de todas as partes do mundo lutam por um lugar num bote para não ver afundar o sonho de conquistar a América.
     Em "Titanic" premiou-se a técnica, sim. Mas o som, os efeitos especiais e toda a pirotecnia que vemos são justificáveis. O diretor James Cameron soube, e sempre soube, utilizar a técnica a favor do desenvolvimento argumentativo e dramático. "O Exterminador do Futuro 1 e 2", por exemplo, ambos dirigidos por Cameron e que esbanjam técnica, renderam linhas e mais linhas de reflexão quanto ao conteúdo dramático. É bom destacar que Cameron é a cabeça desse grandioso projeto. E o que dizer de "...E o Vento Levou"? Um clássico, antes de tudo. Que teve tantos problemas de produção quanto o filme de Cameron.

Primeiro, custou à época a superlativa quantia de 4,5 milhões dedólares. Foram brigas intermináveis durante as filmagens, fazendo com que o produtor David O. Selznick trocasse cinco vezes de diretor: Victor Fleming, George Cukor, Sam Wood, William Cameron Menzies e Sidney Franklin. Todos assinam o filme. Se você não sabe, foi indicado para o Oscar de efeitos especiais, quando a categoria englobava efeitos de som e de fotografia. Não ganhou. Mas na categoria distinta de fotografia, levou e com méritos. A maior propaganda de "...E o Vento Levou" era a maravilhosa fotografia colorida. Não foi à toa o Oscar Honorário recebido por William Cameron Menzies, além de diretor um notável desenhista de produção. Este Oscar Honorário dizia mais ou menos o seguinte: "Pela surpreendente realização no uso da cor para a melhoria dramática na produção (...)"
      Diante desse histórico, parece-me uma grande injustiça dizer que "Titanic" é apenas técnica e que esse é o único mérito de James Cameron. Há no entanto outras comparações, também históricas e não tão relevantes, que podem sem incluídas apenas no plano das curiosidades.
      Leonardo DiCaprio e Kate Winslet, os jovens astros de "Titanic", estão na casa dos 20 anos de idade. Perfeito para o público de hoje, formado em sua monstruosa maioria por meninas histéricas e garotões imberbes. Bem diferente do público nas décadas de 30 e 40, que preferiam Clark Gable, que tinha 38 quando fez "...E o Vento Levou". Vivien Leigh tinha 26.
      Gable, à época, já havia recebido um Oscar (de melhor ator por "Aconteceu Naquela Noite", de 1934) e uma indicação (melhor ator em "O Grande Motim", de 1935.) DiCaprio não foi indicado por Titanic, o que causou revolta nos fãs. Mas também tem no currículo uma indicação, a de melhor ator coadjuvante em "Gilbert Grape - Aprendiz de Sonhador". A inglesa Kate Winslet, ao 22 anos e com apenas cinco filmes, concorreu em 1996 ao Oscar de atriz coadjuvante por "Razão e Sensibilidade". Vivien Leigh (nascida na Índia mas criada na Inglaterra, com educação tradicional britânica), quando ganhou o Oscar em "...E o Vento Levou", já havia feito dez filmes.
      O que pretendo indicar com esses dados é que analisar o talento de um artista não é tarefa das mais simples. Alguns podem dizer que não há comparação entre DiCaprio e Gable, ou entre Winslet e Leigh. Há sim, não resta dúvida. DiCaprio, além de um jovem de indiscutível beleza, que provoca no público - sobretudo o feminino - o mesmo que um james Dean, Marlon Brando e Paul Newman de suas épocas, merece muita atenção. Seu talento como ator vai além de um rosto bonito. O mesmo vale para Winslet.
      Mas voltando a James Cameron. Ele foi chamado de arrogante e outros adjetivos impublicáveis, tudo porque consumiu uma fortuna para rodar seu filme sobre uma história de amor num navio que naufraga. Ocorre que cada centavo de dólar é visto em "Titanic". Sou inteiramente a favor da arrogância do diretor. Quando o orçamento estava para lá de estourado, ele abriu mão do seu cachê, enfiou a mão no bolso e apostou tudo o que tinha no sucesso do filme nas bilheterias. Deu certo. Por isso acho que Cameron tem todo o direito de bradar "I'm the King of the world" (apesar de ele ter feito isso no Oscar para lembrar do personagem de DiCaprio) e dar uma banana para aqueles descrentes que o massacraram.
      Em 1999 "...E o Vento Levou" completa 50 anos. Posso apostar que em bem menos tempo "Titanic" também será lembrado como clássico e uma obra de referência histórica no cinema.


Marcos Petrucelli